quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A história das histórias


Desenho Eunice Lourenço

Estamos no projecto À Bolina da Quinta da Serra a fazer um inventário de histórias. A ideia foi inspirada no trabalho de Arjun Appadurai um antropólogo Indiano que tem uma notável reflexão sobre o papel da memória na construção da identidade migrante na sua relação com o sentido de perda.

As histórias, que já vão na nº7 com a "História da Princesa e do Criado", são-nos contadas por pessoas do bairro, são fixadas pela Sorraia e pela Carmo, são lidas e ilustradas pelas crianças e jovens do apoio escolar e são editadas no nosso blog na Voz da Quinta .

O Projecto Aventura, o projecto Escolhas de S. Brás de Alportel, Algarve, convidou-nos para animar uma oficina de conto na II Feira da Interculturalidade a realizar em Dezembro. Decidimos que a nossa delegação será composta pelas crianças e jovens que tenham a melhor história e a saibam contar melhor . A selecção dos membros da delegação será feita pelas próprias crianças e jovens através de votação. Começou já um movimento activo em que os nossos candidatos investigam entre parentes, vizinhos e amigos a história que os levará ao Algarve.

Desenho Elsa Mendes

Olho para esta iniciativa e penso como gostaria que todo o nosso projecto pudesse replicar ampliadamente este modelo na sua simplicidade e virtude.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O Ovo de Colombo


A diferença entre o lugar comum e o senso comum é, provávelmente, que o primeiro obscurece a realidade e o segundo a ilumina. Espero localizar-me na segunda esfera.

A nossa praxis na Quinta da Serra é, antes de mais, uma acção de capacitação das nossas crianças e jovens para o exercicio da cidadania. O ponto de partida é o sujeito em livre arbítrio. Cada ser humano contem em si, a essência estrutural e causal de toda a restante realidade física e, ao mesmo tempo, quer a identidade quer a própria realidade só se afirmam plenamente na relação com o outro. Arendt expressa assim, o último conceito: "Só quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de modo que os que estão à sua volta sabem que vêm o mesmo na mais completa diversidade, é que a realidade do mundo se pode manifestar de maneira real e fidedigna".

Mas a capacitação de crianças e jovens em que consiste? Se aceitarmos que cidadania é lexis e praxis, diálogo e acção em espaço público, entendido este não como espaço físico mas como lugar onde estão os cidadãos -Atenas onde estão os Atenienses- e se o diálogo se exerce com a nossa língua materna, como capacitar se não pusermos a lingua no centro do nosso campo de acção?

A dimensão política deste "senso comum" está expressa em plenitude no Pessoa do Livro do Desassossego quando nos fala inspirado por Vieira, duas figuras tutelares da nossa língua que assim se juntam:

"Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes - tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é - não - a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d'aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica.

Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa....."



Todos os dias, na nossa acção com o "outro" somos levados a concluir que sem uma língua que nos una, sem essa pátria, só existe o deserto e o deserto em determinadas condições atmosféricas conduz às tempestades e à violência. A violência daqueles que condenamos ou que se condenam a si próprios ao silêncio.

Do ponto de vista escolar, temos, entre nós, situações de crianças que só sabendo falar crioulo não conseguem acompanhar o que se passa, não só nas aulas de português mas em todas as outras disciplinas. Essas crianças para quem pedimos apoio especifico na escola, só podem beneficiar dele depois de terem maus resultados comprovados. Existe uma ideia, errada, de que as crianças e jovens provenientes de países de lingua oficial portuguesa precisam de menos apoio ao nível da lingua portuguesa que os outros imigrantes.

Por outro lado, é essa lingua, essa pátria e mátria, que nos liga através da memória e das narrativas ao "outro" que nos cria as condições para o estabelecimento das identidades e também a capacidade da promessa, a visão da(s) nossa(s) possibilidades de futuro. Esta é uma reconciliação que é feita a partir de dentro. Uma reconciliação de paz numa memória marcada pela relação colonizador/ colonizado e muitas vezes pela guerra.

Melhorar por todos os meios ao nosso alcance a competência na lingua portuguesa, como instrumento e espaço de cidadania talvez seja o nosso ovo de Colombo, na resposta à pergunta de como intervir para a inclusão em sistemas cada vez mais complexos. Com a vantagem de resolver na prática a contradição que existe muitas vezes entre acções eficazes e acções fecundas.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Spaceship Earth

No prólogo da Condição Humana Hannah Arendt chama a atenção para o facto de a Terra ser a quinta-essência da condição humana e, de acordo com o que sabemos a sua natureza poder ser singular no universo, a única capaz de oferecer aos seres humanos um habitat no qual eles podem mover-se e respirar sem esforço nem artifício.

O Professor David Deutsch, autor de "The Fabric of Reality", do Centre for Quantum Computation da Universidade de Oxford discute isso numa excelente "Ted talks".


Ainda citando Arendt: "Devem a emancipação e a secularização da era moderna, que tiveram inicio com um afastamento, não necessáriamente de Deus, mas de um deus que era o Pai de todos os homens no céu, terminar com um repúdio ainda mais funesto de
uma terra que era a Mãe de todos os seres vivos sob o firmamento?"

A resposta está possivelmente noutra pergunta que talvez devamos fazer sempre que consumimos recursos globais: "Seria sustentável se todos o fizessem?"

Se a resposta for não seremos conduzidos à necessidade de definir estratégias de redução de consumo excessivo assente em relações mais justas e alicerçadas numa cultura que promova a integridade do nosso planeta.

Conhecimento ilimitado para todos, consumo material limitado e razoável também para todos. Poderia ser o principio.

domingo, 4 de novembro de 2007

A Cultura da CPLP no Mundo - Sinais de Esperança

CPLP criam Grande Prémio Cultural - Os ministros da Cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa anunciaram hoje a criação de um Grande Prémio Cultural, a ser atribuído de dois em dois anos


A decisão foi hoje tomada na Cidade da Praia, Cabo Verde, no VI Encontro de Ministros da Cultura da CPLP e por proposta do representante cabo-verdiano, Manuel Veiga.

Em declarações aos jornalistas, o ministro cabo-verdiano explicou que ainda não foi definido o montante do prémio mas garantiu que no mínimo terá de ser de 50 mil euros. O prémio, disse, será assegurado por todos os países da CPLP e destina-se a distinguir uma instituição ou um trabalho pela excelência na criação ou produção artística ou intelectual, na área cultural e no país onde se realize o encontro de ministros nesse ano.

Os ministros de Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné-Bissau (não estiveram os responsáveis pela pasta de S. Tomé e Príncipe e de Timor-Leste e o ministro do Brasil enviou um representante) aprovaram ainda a proposta de Cabo Verde para que, a partir de agora, o encontro de ministros da cultura se realize de dois em dois anos e não anualmente, como ocorria até hoje. Segundo a Declaração da Praia, aprovada pelos ministros presentes, as próximas reuniões passarão a realizar-se a 5 de Maio, o Dia da Cultura da CPLP.

Os ministros aprovaram também a realização de uma Feira Cultural da CPLP no país anfitrião dos encontros e apoiaram a proposta de que Angola, Brasil e Portugal se responsabilizem, técnica e financeiramente, pela criação de um portal da CPLP na Internet dedicado à Cultura.

Em anexo à Declaração da Praia, os ministros declararam que «tudo farão para apoiar, de forma concreta, Cabo Verde nos esforços» para a reabilitação do Campo de Concentração do Tarrafal, e deram o «total apoio» à candidatura da Cidade Velha a património da humanidade.

Os ministros lamentaram ainda a morte do antigo embaixador brasileiro José Aparecido de Oliveira, «mentor e incentivador da criação da CPLP».

Para a ministra da Cultura de Portugal, Isabel Pires de Lima, falta visibilidade à Cultura dos oito países, pelo que é necessária «uma visão estratégica de como melhorar e valorizar a cultura da CPLP no mundo». A ministra portuguesa considerou o Prémio e a Feira da Cultura da CPLP instrumentos que podem ajudar nessa divulgação e incentivou todos os Estados a ratificar a convenção da UNESCO sobre protecção e promoção da diversidade de expressão artística e cultural.

A Comissão Europeia decidiu dotar o Fundo Europeu de Desenvolvimento com mais 30 milhões de euros para a área da Cultura, uma proposta que se for aprovada «implica que os financiamentos têm de se adequar à convenção da UNESCO sobre diversidade cultural», avisou.

Cabo Verde detém, a partir de hoje, a presidência do grupo de ministros e terá de desenvolver os contactos para escolher o próximo país a realizar a VII cimeira, dentro de dois anos. Caso S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste se manifestem indisponíveis, a próxima reunião poderá ser em Portugal.

O encontro da Praia começou sexta-feira e terminou hoje. O anterior realizara-se na Guiné-Bissau em Outubro de 2006.

Lusa/SOL