segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Ainda o conceito de poder em Arendt



1. Para Arendt o poder existe sempre que dois ou mais sujeitos se reunem e decidem agir em conjunto. Neste processo gera-se um espaço publico, virtual e simbólico.

2. O poder e o espaço público assim definidos têm carácter precário, desaparecem com a dispersão dos sujeitos ou a cessação da acção. Entendendo-se aqui acção não só a praxis mas também o discurso no sentido de lexis “palavras (que) não são empregadas para velar intenções mas para revelar realidades”. De resto Arendt assume que “o poder só é efectivado enquanto a palavra e o acto não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os actos não são brutais” (CH pag 250).

3. Para Arendt as várias formas de organização da esfera pública, incluindo as várias formas de governo, repousam sobre o poder que as precede e legitima e só podem ser animadas pelo suporte e envolvimento activo dos cidadãos.
“It is the people's support that lends power to the institutions of a country, and this support is but the continuation of the consent that brought the laws into existence to begin with … All political institutions are manifestations and materializations of power; they petrify and decay as soon as the living power of the people ceases to uphold them” (CR, 140).


4. Poder, potentia em latim, dynamis em grego, existe assim no momento em que se efectiva e não se pode guardar como acontece com os instrumentos de violência. Poder é antes do mais uma possibilidade, um potencial de poder.

5. A precaridade do poder estabelece também uma grande independência deste relativamente aos meios materiais, de tal modo que por exemplo uma revolta popular contra governantes materialmente muito fortes pode gerar um poder virtualmente irresístivel.

6. O poder é a condição humana da pluralidade e pode ser dividido sem ser reduzido, pelo contrário em contexto dialéctico, a divisão do poder pode gerar mais poder.

7. Para Arendt nas condições da vida humana a única alternativa ao poder é a força. Um ser humano ou grupo organizado pode pela apropriação de instrumentos de violência destruir o poder mas não pode, nunca, substitui-lo. A tirania resulta da combinação da violência com a impotência.

8. O que caracteriza a tirania como forma de governo é a ausência de espaço público de aparição e de esfera pública, o que condena governantes e governados ao total isolamento. A tirania contraria assim a condição humana da pluralidade, destrói a polis e com isso gera a impotência.

9. A violência pode destruir o poder com mais facilidade que destroi a força. “A força como atributo natural do ser humano pode enfrentar a violência com maiores possibilidades de êxito do que tem ao enfrentar o poder - seja heróicamente, dispondo-se a lutar e a morrer, seja estoicamente, aceitando o sofrimento e desafiando todos os tormentos através da auto-suficiência e afastamento do mundo” CH pag 254).

Um comentário:

Harlan Rodrigo disse...

Caro José,

Não sei se ainda o sr. olha os comentários do seu blog, mas achei bastante itneressante essa postagem sobre a concepção de poder em Hannah Arendt.

Sou estudante de Geografia - pela rápida leitura que fiz do blog, o sr. tem alguma ligação com essa ciência - e, aqui no Brasil, há discussões a respeito do pensamento de Arendt acerca da concepção de poder e sua influência no espaço social, e, consequentemente, no território. Gostaria de te fazer uma pergunta: essa concepção de poder de Arendt é "real" numa sociedade tão heterônoma quanto a nossa? Creio que é muito difícil essa concepção de poder ser efetivada na sociedade heterônoma, pelo menos na minha realidade, onde praticamente inexistem relações que se efetivam na forma do consenso e acordo entre os agentes participantes. Ocorre somente nas escalas microlocais.

Creio que essa concepção de poder é a mais válida numa sociedade autônoma, aí acho inteiramente válido a concepção de Arendt.

Voltando mais ao território, se só existe poder a partir dessa concepção de Arendt, é possível dizer que a constituição de territórios e processos de terriorializações são muito raros?

É só isso...rs...se o sr. ainda acompanhar os comentários aqui ficaria grato de ter alguma resposta.

Atenciosamente, Harlan Rodrigo.