terça-feira, 18 de dezembro de 2007

"Todo o ser humano está debaixo da sua cúpula de céu"



Anselm Kiefer, 1970,

Aguarela, guache, lápis de grafite e papel

Histórias & Lanternistas



"There is a painting by Klee called Angelus Novus. It shows an angel who seems about to move away from something he stares at. His eyes are wide, his mouth is open, his wings are spread. This is how the angel of history must look. His face is turned toward the past. Where a chain of events appears before us, he sees on single catastrophe, which keeps piling wreckage upon wreckage and hurls it at his feet. The angel would like to stay, awaken the dead, and make whole what has been smashed. But a storm is blowing from Paradise and has got caught in his wings; it is so strong that the angel can no longer close them. This storm drives him irresistibly into the future to which his back is turned, while the pile of debris before him grows toward the sky. What we call progress is this storm." W. Benjamin

--from Walter Benjamin 1940 work, "On the Concept of History," Gesammelte Schriften I, 691-704. SuhrkampVerlag. Frankfurt am Main, 1974. Translation: Harry Zohn, from Walter Benjamin, Selected Writings, Vol. 4: 1938-1940 (Cambridge: Harvard University Pres, 2003)

Benjamin descreve o Angelus Novus de Klee. Só quem lembra, pode olhar o futuro na cara; só quem olha o futuro pode, verdadeiramente, lembrar. O que impedirá que as lembranças se transformem em nostalgias e esquecimento? A Esperança é talvez o vento que sopra do Paraíso? Não será o "progresso" em Benjamin uma forma de Esperança?

Falámos na importância da memória como base da identidade. Memória gera uma cultura uma maneira especifica de apropriação do real e de agir sobre ele. Assumindo que a memória se constroi com base em informação, importa saber em que medida a volatilidade da informação hoje, e o seu carácter, impedem a formação de culturas. Alguns académicos têm vindo a chamar às memória culturais que decorrem da sobreinformação contemporânea, memórias culturais "frias" em oposição à memória cultural "quente" a qual seria a única a ter a virtualidade de formar a cultura.

Talvez esta tese olhe para o sujeito exclusivamente como consumidor de informação e não, também como produtor ou pelo menos decisor da informação que quer consumir. Se virmos o ser humano no sentido pleno, isto é, dotado de memória, identidade e vontade, será de admitir que a cultura que lhe é imanente lhe permita escolher entre a informação disponível, a que mais lhe convém. Neste sentido a multiplicidade de estimulos baseados na informação deixa de ser uma ameaça à cultura para ser uma oportunidade.

As crianças e os jovens têm hoje uma habilidade para lidar com a informação muito superior à dos seus pais. Habituados a muitos estimulos informacionais provenientes de multiplas fontes, vão discernindo, através duma detecção intuitiva de padrões ou bits relevantes, percursos possíveis que podem ser marcados por um exercicio permanente de escolha e de interacção. Faz sentido aproveitar esta competência e procurar desenvolvê-la. Como fazer?





Acredito nas possibilidades da auto-aprendizagem. Olhados do ponto de vista da competência de lidar com informação os pais, professores e educadores fazem má figura relativamente aos mais jovens. São menos destros, mais cartesianos, menos intuitivos e têm mais medo de errar. A relação entre as crianças e os jovens e a informação é biónica, na justa medida da transparência dos suportes tecnológicos. Como o telefone é transparente para a minha geração. Quem é que se lembraria de se pôr a ler o manual do telefone antes de telefonar a um amigo? pois é essa estranheza que as crianças sentem quando começamos pela leitura do manual da consola ou do computador como fase prévia à sua utilização.

Acredito nas possibilidades de auto-aprendizagem. Descobrir relevâncias e padrões no mar de informação é um exercicio de escolha e portanto de capacitação que pressupõe capacitação, cultura, e um contexto rico e estimulante. A separação muito nítida que o nosso sistema escolar faz entre literacia e criatividade, tenderá a esbater-se à medida que a escola for uma forma de aquisição de competências básicas com necessidade percebida ou, pelo menos, perceptível no tempo.

Acredito nas possibilidades de auto-aprendizagem porque cada ser humano é único e têm em si a capacidade de agir duma forma completamente nova. Essa potencialidade pode ser exaltada através da criação de contextos de aprendizagem, de diálogo e de partilha para sujeitos de todas as idades e entre todas as idades.

O que estamos fazendo. aqui na Quinta da Serra. com as histórias e os lanternistas acho que tem muito a ver com isto.



quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Habitação


BroadAcres city Frank Lloyd Wright

Ontem na RTP Àfrica numa entrevista, perguntava-se como resolver a questão da habitação nos bairros degradados. Alguém respondia de uma maneira luminosa: “perguntando isso mesmo aos habitantes desses bairros”.


A resposta encerra um programa político porque pressupõe um contexto de escolha e de cidadania. A escolha pressupõe a existência de alternativas e a cidadania exige a capacitação desses habitantes, o que só se poderá fazer a partir de práticas concretas: da acção em comum em esfera pública.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Ainda o conceito de poder em Arendt



1. Para Arendt o poder existe sempre que dois ou mais sujeitos se reunem e decidem agir em conjunto. Neste processo gera-se um espaço publico, virtual e simbólico.

2. O poder e o espaço público assim definidos têm carácter precário, desaparecem com a dispersão dos sujeitos ou a cessação da acção. Entendendo-se aqui acção não só a praxis mas também o discurso no sentido de lexis “palavras (que) não são empregadas para velar intenções mas para revelar realidades”. De resto Arendt assume que “o poder só é efectivado enquanto a palavra e o acto não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os actos não são brutais” (CH pag 250).

3. Para Arendt as várias formas de organização da esfera pública, incluindo as várias formas de governo, repousam sobre o poder que as precede e legitima e só podem ser animadas pelo suporte e envolvimento activo dos cidadãos.
“It is the people's support that lends power to the institutions of a country, and this support is but the continuation of the consent that brought the laws into existence to begin with … All political institutions are manifestations and materializations of power; they petrify and decay as soon as the living power of the people ceases to uphold them” (CR, 140).


4. Poder, potentia em latim, dynamis em grego, existe assim no momento em que se efectiva e não se pode guardar como acontece com os instrumentos de violência. Poder é antes do mais uma possibilidade, um potencial de poder.

5. A precaridade do poder estabelece também uma grande independência deste relativamente aos meios materiais, de tal modo que por exemplo uma revolta popular contra governantes materialmente muito fortes pode gerar um poder virtualmente irresístivel.

6. O poder é a condição humana da pluralidade e pode ser dividido sem ser reduzido, pelo contrário em contexto dialéctico, a divisão do poder pode gerar mais poder.

7. Para Arendt nas condições da vida humana a única alternativa ao poder é a força. Um ser humano ou grupo organizado pode pela apropriação de instrumentos de violência destruir o poder mas não pode, nunca, substitui-lo. A tirania resulta da combinação da violência com a impotência.

8. O que caracteriza a tirania como forma de governo é a ausência de espaço público de aparição e de esfera pública, o que condena governantes e governados ao total isolamento. A tirania contraria assim a condição humana da pluralidade, destrói a polis e com isso gera a impotência.

9. A violência pode destruir o poder com mais facilidade que destroi a força. “A força como atributo natural do ser humano pode enfrentar a violência com maiores possibilidades de êxito do que tem ao enfrentar o poder - seja heróicamente, dispondo-se a lutar e a morrer, seja estoicamente, aceitando o sofrimento e desafiando todos os tormentos através da auto-suficiência e afastamento do mundo” CH pag 254).