A Identidade, seja individual seja colectiva, forja-se em dois movimentos distintos que se alimentam mutúamente. Um dirige-se ao passado e às memórias, outro dirige-se ao mundo e ao encontro com o "outro". As narrativas individuais e colectivas são já um produto da acção da identidade sobre a memória, pesquisa e exaltação de relevâncias que são resultado do exercício da vontade. A formação da identidade exige uma esfera pública em que o encontro com o "outro" revele aquilo que existe de diferente em nós. Quanto mais "mundo" esse encontro tiver, mais essa diferença se poderá afirmar como única. À medida que avançamos no mundo avançamos na nossa narrativa e crescemos na ideia de nós próprios como sujeitos políticos.
Aqui no bairro começámos o ano passado a agir no domínio da memória e das narrativas, nomedamente com as histórias, e fomos pressintindo o que pode acontecer se esse movimento fôr feito com ausência ou deficit de mundo: pouco a pouco emergem vínculos de exaltação da identidade como seita. O "nós contra o mundo" corresponde a uma hipervalorização das nossa identidade relativamente ao "outro", que desconhecemos e não queremos conhecer. Se a hipervalorização for absoluta e o outro tender para zero, as possiblidades de exercício de violência sobre o "outro" são grandes e emerge a narrativa, muito mobilizadora, de que o caminho se faz contra o outro, contra a diferença. Esta "descoberta" fez-nos olhar para fora do bairro.
Faz quase um ano fomos a uma reunião na Costa da Caparica a pretexto dum concurso de fotografia. Eu e quatro jovens pré-adolescentes aqui do bairro. Como a reunão tinha sido marcada a uma hora que não tinha permitido que eles almoçassem depois da saída da escola, após a reunião fomos a um supermercado. Decidi que seriam eles a fazer as compras dei-lhes dinheiro e mantive alguma distância deles para que se sentissem livres de comprar o que mais lhes conviesse.
Estavam pois aparentemente sózinhos no supermercado. A entrada deles foi impressionante porque todo o supermercado pareceu reordenar-se em função deles, dos seguranças às caixas passando pelos olhares de alguns clientes.
Tudo correu muito bem. Eles compraram as coisas certas para o dinheiro que tinham pagaram e sairam. Para tornar o evento perfeito um deles à saida perguntou a uma senhora de certa idade carregada de compras se precisava de ajuda? A resposta veio suave: "Não, meu filho, mas és muito querido."
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
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