domingo, 20 de abril de 2008

Hannah no Bairro - Preâmbulo para um relatório de mestrado















“... Tenho de escolher o que detesto – ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.
Resulta que como detesto ambos, não escolho nenhum; mas como hei-de em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com a outra.”

Bernardo Soares, Livro do Desassossego


Sob o signo de Pessoa, sob o signo do desassosssego, entre o sonho e a acção, “Hannah no Bairro” é o testemunho fragmentário dum projecto de vida que confrontado com os limites da acção social abre o seu estabelecimento no campo da política. É ao mesmo tempo, o lugar de apropriação dos corpus teóricos leccionados no primeiro semestre das aulas de Mestrado de Gestão do Território e Urbanismo no ano lectivo 2007/08.

O “Bairro”, o Bairro da Quinta da Serra, desafia interpretações simplistas. As ciências sociais, espaços de conforto, segregam um determinismo que nos atrai para as leis gerais, para os grandes números e nisso nos afasta da acção. Hannah, Hannah Arendt, a sua teoria política ilumina o nosso caos: porque se todo o sujeito é determinado pela sua condição, a natureza humana é transcendente. Essa transcendência permite-nos, através da acção, mudar a nossa circunstância.

Hannah no Bairro é um território habitado por sujeitos de quem sabemos o nome. Um território de violência e medo, de alegria e dança. Vibrando intensamente entre a morte e a vida. De mães coragem, no labor infinito que as embrutece, que fizeram a sua trincheira no futuro dos seus filhos. Onde resistem. Dos jovens guerreiros, narrativas exaltantes dos feitos e das vitórias, presos. Presos na violência do silêncio. Presos nas nossas prisões, sem julgamento durante o tempo que leva a gerar uma criança no ventre materno. Presos nos códigos de irmandade do gang ou do gueto que os impede de “chibar” mesmo na injustiça da condenação dum inocente. Dos meninos e meninas manifestação exaltante de todas as nossas possibilidades no futuro. Matéria de todo o perdão e de todas as promessas. O riso das crianças, o choro das crianças, os gritos das crianças, o cheiro da primavera no cabelo das crianças, a primeira nota positiva a português, a primeira reunião de pais na escola com o seu nome próprio, todo rodeado de esperança. Os meninos e meninas que animam a vontade de pôr um pé na porta, para que não se feche, para que nenhum fique para trás.

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