domingo, 20 de abril de 2008

Sobre a violência e o Movimento Esperança Portugal - MEP


















Nos ultimos dias tem-se falado muito de violência. Os cidadãos têm uma expectativa, justa, que a polícia e a justiça sejam capazes de agir para dissuadir a violência e para a reprimir. Consideramos muitas vezes, que o problema da violência é um problema sobre o qual não podemos fazer nada como cidadãos, compete ao governo resolver. Por outro lado existindo nas cidades territórios, guetos, que costumamos associar à criminalidade organizada e à violência, inferimos que se eliminarmos esses guetos eliminamos a causa do mal.

Todas estas observações têm a sua verdade mas enfermam do defeito de ver as coisas à superficie. Tentemos senti-las por dentro.

O desempenho no combate à violência é proporcional à informação que se detêm. Não se pode dissuadir nem reprimir a violência trabalhando às cegas ou duma maneira míope. Os territórios que estão fora da esfera e do espaço público, sejam eles guetos ou condomínios fechados, têm uma cultura de segurança especifíca, ou seja, privada. No caso concreto dos guetos o crime organizado procura através da apropriação dos meios de violência, assegurar as condições para o desenvolvimento do "negócio", o que pressupões a atracção de investimentos e de mão de obra qualificada. A mão de obra das actividades criminosas organizadas é recrutada na área de influência do "negócio" e funciona como sustento de pessoas ou famílias que doutra maneira não conseguem sobreviver. Sobre isto, funciona o efeito de demonstração: a situação de desafogo financeiro e dinheiro fácil conquistada por alguns, serve como exemplo para os outros. O conjunto é servido por uma narrativa "heróica" de exaltação de violência, uma cultura de violência.

No MEP quando falamos numa "mesa com lugar para todos", como elemento fundador da justiça e da procura do bem comum, não ignoramos a existência dessa "outra mesa". A mesa posta pela violência e crime organizados para os excluidos, desesperados e também para o lúmpen. Colocada a nível político "mesa com lugar para todos" é um espaço público, cultural e politico, de diálogo e acção. É a nossa Polis. Por isso diz respeito a todos os cidadãos como espaço público de liberdade. A violência que se sente nos territórios de exclusão e que pouco a pouco vai contaminando toda a cidade, é o resultado do recuo do espaço público. O resultado duma sociedade dual com o "lado de cá" e o "lado de lá" com um muro ao meio que obscurece o outro lado. A responsabilidade desse facto tem de ser assumida por todos e a solução passa por todos.

No MEP quando falamos em "cultura de pontes" falamos de "derrubar o muro", de construir na fronteira as condições do diálogo. Para isto temos de compreender que a cultura de purificação da cidade que pretende excluir o "outro" gera identidades de resistência e estas geram violência, que a injustiça na repartição da riqueza aproxima o "outro" da "outra mesa".
A melhor forma de combater a violência é através da negociação da esfera pública o que pressupõe que todos tenham voz e capacitação para a afirmar. Significa assumir a diferença como um ponto de partida positivo. Significa assumir o diálogo como acção política.

No MEP acreditamos na capacidade das comunidades locais discutirem e decidirem as questões que lhe dizem directamente respeito. Acreditamos na subsidariedade como elemento estruturante duma democracia representativa. As questões da violência que nós vivemos hoje dificilmente se resolverão mudando as leis ou os regulamentos a nível superestrutural. Temos de procurar soluções inteligentes que passem por uma responsabilização de todos. Comunidades fortes e coesas socialmente geram elevados níveis de segurança, a auto-regulação é a melhor forma de regulação em sistemas complexos. A polícia e os tribunais não podem olhar para os territórios de exclusão como "caixas pretas" onde só se vê o que entra e o que sai, mas não se sabe como funciona. Tem de existir proximidade e discernimento. Sem isso corremos o risco de que as medidas que forem tomadas, ainda que animadas de boa vontade, resultem no contrário do que pretendemos: Menos violência, Mais Justiça e Mais Cidadania.

Hannah no Bairro - Preâmbulo para um relatório de mestrado















“... Tenho de escolher o que detesto – ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.
Resulta que como detesto ambos, não escolho nenhum; mas como hei-de em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com a outra.”

Bernardo Soares, Livro do Desassossego


Sob o signo de Pessoa, sob o signo do desassosssego, entre o sonho e a acção, “Hannah no Bairro” é o testemunho fragmentário dum projecto de vida que confrontado com os limites da acção social abre o seu estabelecimento no campo da política. É ao mesmo tempo, o lugar de apropriação dos corpus teóricos leccionados no primeiro semestre das aulas de Mestrado de Gestão do Território e Urbanismo no ano lectivo 2007/08.

O “Bairro”, o Bairro da Quinta da Serra, desafia interpretações simplistas. As ciências sociais, espaços de conforto, segregam um determinismo que nos atrai para as leis gerais, para os grandes números e nisso nos afasta da acção. Hannah, Hannah Arendt, a sua teoria política ilumina o nosso caos: porque se todo o sujeito é determinado pela sua condição, a natureza humana é transcendente. Essa transcendência permite-nos, através da acção, mudar a nossa circunstância.

Hannah no Bairro é um território habitado por sujeitos de quem sabemos o nome. Um território de violência e medo, de alegria e dança. Vibrando intensamente entre a morte e a vida. De mães coragem, no labor infinito que as embrutece, que fizeram a sua trincheira no futuro dos seus filhos. Onde resistem. Dos jovens guerreiros, narrativas exaltantes dos feitos e das vitórias, presos. Presos na violência do silêncio. Presos nas nossas prisões, sem julgamento durante o tempo que leva a gerar uma criança no ventre materno. Presos nos códigos de irmandade do gang ou do gueto que os impede de “chibar” mesmo na injustiça da condenação dum inocente. Dos meninos e meninas manifestação exaltante de todas as nossas possibilidades no futuro. Matéria de todo o perdão e de todas as promessas. O riso das crianças, o choro das crianças, os gritos das crianças, o cheiro da primavera no cabelo das crianças, a primeira nota positiva a português, a primeira reunião de pais na escola com o seu nome próprio, todo rodeado de esperança. Os meninos e meninas que animam a vontade de pôr um pé na porta, para que não se feche, para que nenhum fique para trás.

sábado, 19 de abril de 2008

Iluminações - Rimbaud





Bárbaro

Muito depois dos dias e estações, e os seres e os paises,
O pavilhão em carne viva sobre a seda dos mares e das flores árticas; (que não existem)
Repostas velhas fanfarras de heroismo, - e que nos atacam ainda o coração e a cabeça,- longe dos antigos assassinos,-
Oh! O pavilhão em carne viva sobre a seda dos mares e das flores árticas; (que não existem),
Doçuras!
Os braseiros, chovendo nas tempestades de granizo. Doçuras! – Estes fogos na chuva do vento de diamantes lançados pelo coração terrestre eternamente carbonizados para nós. – ó mundo!
(Longe das velhas retiradas e das velhas chamas, que se ouvem que se sentem.)
Os braseiros e as espumas. A musica, viração de vórtices e choque de gelos nos astros.
Ó doçuras, ó mundo, ó musica! Ali, as formas, os suores, as cabeleiras e os olhos, flutuando. E as lágrimas brancas, fervendo, - ó doçuras! – e a voz feminina chegada ao fundo dos vulcões e das grutas árticas…- o pavilhão…