domingo, 14 de outubro de 2007

Inclusão, Cidadania e Novas Tecnologias



Desenhos: Indira Moreira

O presente documento é a minha contribuição para um livro recém publicado pela Associação para a Promoção e o Desenvolvimento da Sociedade de Informação. O livro chama-se a "Sociedade da Informação - O Percurso Português", coordenado por José Dias Coelho e com prefácio de Jorge Sampaio e é uma colectânea de textos sobre a evolução da Sociedade de Informação em Portugal nos últimos 10 anos.


1.1 Preâmbulo

(1) O presente documento reflecte uma procura pessoal num território entre Cultura, Novas Tecnologias e Direitos Humanos e procura responder a três perguntas, a saber:

1. Qual é o papel que a cultura tem, ou pode ter, na criação de formações sociais mais inclusivas e mais Justas?
2. Qual o papel das tecnologias de informação e comunicação no contexto de 1.?
3. Que boas práticas?


1.2 Cultura

(2) Qual é o papel que a cultura tem ou pode ter na criação de formações sociais mais inclusivas e mais Justas?

(3) Em 2008 a Europa celebra o Ano do Diálogo Intercultural. Que significado tem este evento? Qual o seu contexto?

(4) Contexto 2008 Ano Europeu do Diálogo Intercultural – Do ponto de vista interno, o falhanço da aprovação da Constituição Europeia reflecte uma fragilidade ao nível da coesão e tem consequências sobre essa mesma coesão. No contexto planetário, os Tigres e Dragões Asiáticos, agora fora da jaula, e a politica unilateral dos Estados Unidos determinaram uma perda de massa crítica geo-estratégica da Europa. Numa entrevista recente ao diário espanhol “El Pais”, o ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso lamentava que a Europa, dados os valores que representa, não tivesse maior intervenção. “2008 Ano Europeu do Diálogo Intercultural” propõe-se exactamente intervir ao nível dos valores.

(5) Que valores? Que práticas? Quem? – Desenvolver em conjunto políticas de prosperidade, solidariedade, coesão social e segurança. Usar o diálogo intercultural como uma oportunidade. A Cultura, as instituições e os agentes culturais com uma aproximação mais política, mais interventora e mais comprometida. Apoiar a mudança económica e social (agenda de Lisboa).

(6) Limites da Intervenção- Ao definir um Ano Europeu do Diálogo Inter-cultural centrado na Europa e não no Mundo, retirando aos Estados Membros o carácter cosmopolita e, porque não assumi-lo, pós-colonial, ao escamotear o papel das linguas como geradoras de comunidades planetárias poder-se-á estar a deitar fora o bébé com a água do banho?

(7) Diálogo Intercultural – O diálogo intercultural é uma necessidade das sociedades culturalmente diversas. Com o agravamento dos desiquilíbrios de desenvolvimento ao nível mundial, nomeadamente com a situação cada vez mais grave da África subsariana, a pressão migratória sobre a Europa é cada vez maior. Não cabe neste trabalho avaliar as suas consequências em toda a dimensão mas importa destacar que esta pressão cruza com a escalada de conflitos extremistas de inspiração religiosa e uma pressão dos EUA sobre o mundo para impor os seus métodos de combate ao chamado “terrorismo”. Dentro da Europa a existência de grandes comunidades geradas à volta de identidades étnicas e religiosas associada à reinvidicação do “direito à diferença” gerou e gera grandes tensões aproveitadas muitas vezes duma maneira populista e por grupos políticos de extrema-direita. Isto levou à necessidade de redefinir a própria noção de “direito à diferença” confrontado-a com outros direitos fundamentais e.g. direitos humanos e conjugando-a com a noção de cidadania.

(8) Diálogo Intercultural e Cidadania – A Holanda tem em fase final a definição do canône de Identidade Holandesa. O que é que isto significa num país com uma forte tradição de tolerância e de diálogo inter-cultural e onde ao mesmo tempo a extrema-direita parece ter cada vez maior peso-politico? Provavelmente a Holanda terá atingido o limite da capacidade de gerir a diferença no quadro social actual. Definir o Canône Holandês é um movimento arriscado que, para muitos, cheira a Nazismo mas que, para outros, é uma necessidade de modo a que a cidadania Holandesa se exprima sob a forma de direitos mas também de deveres e que o direito à diferença seja exercido no quadro dessa mesma cidadania e não fora dela.

(9) Diálogo Intercultural e Identidade – Vimos como o “direito à diferença” tem de ser confrontado com os outros direitos das sociedades democráticas. Da mesma maneira o “direito à cidade” implica uma constante negociação de espaços partilhados – físicos ou virtuais. A noção de Multiculturalismo cedeu lugar à de Interculturalismo. A cultura-estática deu lugar à noção de cultura-dinâmica; sentido de pertença evoluiu para um compromisso de cidania; identidade baseada em etnia, raça ou religião assume progressivamente a forma de identidades múltiplas.

(10) Papel da Cultura – Cultura e Diversidade Cultural são consideradas elementos motores do desenvolvimento sócio-económico das corporações e cidades das sociedades contemporâneas. É dado assumido no mundo empresarial que a inovação e a competitividade estão assentes em estruturas capazes de integrar uma diversidade de ponto de vista e culturas em tensão que se resolvem em produtos e serviços mais competitivos. O mesmo raciocínio tem vindo a ser aplicado à gestão das cidades. O mesmo princípio aplicado aos Estados permite olhar para a diversidade cultural não como uma ameaça mas sim como uma oportunidade. A linha divisória é traçada pelo diálogo intercultural. Diversidade Cultural sem Diálogo Inter-cultural tem a entropia típica dos sistemas fechados.

(11) Papel dos agentes Culturais

Nos Balcãs muitos artistas dedicaram-se ao enorme desafio de transformar o inimigo em parceiro. E a pungência do drama vivido criou possivelmente uma das mais exaltantes experiências humanas de negociação de espaços comuns e de diálogo intercultural através das artes. O “coração da matéria” é um livro da Fundação Cultural Europeia (www.eurocult.org ) que descreve o papel das artes e da cultura na integração europeia dos Balcãs e demonstra que a mudança tinha que começar na cabeça das pessoas e para isso era necessário mudar percepções, imagens e padrões culturais.





1.3 Tecnologias de Informação e Comunicação

(12) Qual o papel que as tecnologias de informação e comunicação têm neste contexto?

(13) As tecnologias de informação e comunicação vieram acrescentar novas formas de exclusão aos contextos de exclusão, alargando e aprofundando as clivagens existentes entre os “que têm” e os “que não têm”. É também verdade que, utilizadas de maneira adequada, as TIC podem ser um instrumento de combate à exclusão. Estes pressupostos levam-nos a rejeitar, antes do mais, uma visão mecanicista de demonização das TIC ou pelo contrário da sua exaltação como panaceia geral.

(14) Para compreender melhor o papel das TIC é necessário tentar entender um mundo em mudança. Para compreender o mundo em mudança é preciso antes do mais libertarmo-nos dos instrumentos conceptuais de análise do real herdados do cartesianismo. Nos últimos anos muitas vezes nos perguntámos: “o mundo vai para onde? Como vai ser o nosso futuro próximo?”. Tentámos identificar tendências e determinar os principais actores. Quase sempre falhámos e acertámos simultâneamente. Porquê? Porque o mundo vai para “todos os lados”. Como falhamos e acertamos ao mesmo tempo, não erramos nem acertamos, isto é, as nossas ferramentas têm de ser substituídas.

(15) A Internet é um bom exemplo do que dissemos. A Internet 1.0 - podemos chamar-lhe assim agora que já existe a 2.0 - trouxe para muitos de nós a utopia de uma sociedade mais justa, baseada no indivíduo capacitado pelas tecnologias e em rede. Numa versão mais radical eraa persona cibernética e mutante, que anunciava o fim da cultura e da sociedade de massas, a emergência do papel do indivíduo simultânemente produtor e consumidor em rede, em comunidade, que tornaria caduca qualquer forma de difusão massificada. Desta maneira, os monopólios e as grandes corporações implodiriam sob o efeito do seu próprio peso e património histórico-cultural. Novas formas de viver e trabalhar eclodiriam por todo o mundo e o capital financeiro antes concentrado em muito poucos, acudiria a esta nova realidade globalizando-a planetariamente. Tal era a utopia da Internet 1.0. Não se pode dizer que tenha acontecido, também não se pode dizer que não o tenha…

(16) O que podemos aprender é que, sem uma visão holística e sem uma praxis, as “coisas passam-nos ao lado”. Existem valores seguros como a ideia de rede. Não porque o conceito seja rico em si mas porque é aberto, plástico, que abre para outros. Existe latente a ideia de que o “ser” - não o consumidor ou até o consumidor/produtor do “Peer to Peer” - mas o “ser” como persona, com o seu livre arbítrio, marca o princípio e fim de qualquer périplo na actividade humana. Neste sentido, todas as aproximações “científicas” ficam contaminadas pelos infinitos factores que levem um ser humano a dizer sim ou não a algo. Aquilo que os analistas financeiros chamam “confiança dos investidores” pode funcionar como ilustração.

(17) Reconduzindo a questão do papel das TIC como instrumentos de inclusão, gostariamos de alinhar algumas conclusões que são uma espécie de sugestão para os agentes de mudança.



1.4 Boas Práticas

(18) Contribuições para as boas práticas

1. Para combater a exclusão é necessário estar com o “ser” excluído, sendo cada caso um caso.
2. Cada ser excluído pode ser capacitado pelas novas tecnologias para ampliar o seu espaço de cidadania através de “rede”.
3. Sendo as exclusões um produto de contextos abaixo do limiar vital de cidadania, é necessário, nesses casos, intervir globalmente, mudando o contexto.
4. A mudança de contexto está muitas vezes ligada à criação de condições básicas, e humanamente dignas, de subsistência: habitação, saúde, educação,etc.. Muitas vezes o combate à exclusão começa por ser um combate à pobreza.
5. A tentação de combater a exclusão seguindo a hierarquia de necessidades, começando pela alimentação, depois o abrigo, depois a educação, etc. - e onde as TIC estão algures nas camadas de cima - é um beco sem saída. A intervenção tem de ser feita a todos os níveis em simultâneo, reconhecendo a interacção entre eles e procurando sinergias.
6. As tecnologias de informação e comunicação podem ser catalizador dessas sinergias, na medida em que podem ligar os níveis de intervenção, ligar dentro dos territórios de exclusão e ligar estes com o exterior, dando-lhes visibilidade, faces e personalidade.
7. A sustentabilidade dos processos de inclusão passa sempre pelo grau de penetração que as acções de inclusão tiveram, têm, terão na comunidade ou rede a que se destinam, sendo essa comunidade constituída por cidadãos concretos, diferenciados e em livre arbítrio. Rejeitando os processos “cegos” em que se despejam recursos em territórios de exclusão com efeitos quase sempre perversos, poderemos ver os efeitos de intervenções que sem paternalismo e com respeito sirvam, de modo continuado no tempo, a inclusão para a cidadania.



1.5 Conclusão

(19) É preciso desmistificar a natureza dos territórios de exclusão. Para tanto é necessário combater a ideia de que o social e economicamente “útil” é determinado pela proximidade relativamente à média, ao cânone, sendo as margens condenadas à inutilidade e à dependência perpétua. Procurámos dizer que as margens, satisfeitas determinadas “condições de temperatura e humidade”, contêm elementos essenciais de inovação e progresso nas sociedades contemporâneas, sendo o diálogo intercultural e o combate à exclusão e, instrumentalmente, as novas tecnologias de informação e comunicação, seus viáticos.

12/11/06



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